segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cigarras

A você, que acredita que a cigarra explode:

Por que motivo é tão difícil
Acreditar que ela simplesmente
Descarta o exoesqueleto vazio e seco

Antes de sair cantando
Até explodir nossos ouvidos
Nessas nossas tardes vazias e secas?

Abafadas tardes de cigarras explosivas.


Gravataí 31/12/2013


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Prata


A prata da Lua
Quisera fosse vermelha
Fosse verde ou azul
Uma cor menos crua


A prata de sempre
Do astro sem luz que espelha
Espelha e espalha silente
A luz da velha estrela


Que noutro lado do mundo
Performa o giro do dia
O dia de sempre
O giro sem rumo
A noite de sempre
A sempre velha luz fria


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre 02 de fevereiro de 2002


domingo, 7 de julho de 2013

Idiossincrasias

O estranho ser colecionava homens em gaiolas e costumava escolher ao acaso algum deles e submetê-lo à dor. Isso fazia com que o homem produzisse música, o que era bom para o estranho ser. Por conseguinte, a dor seria algo bom para os homens, já que a resposta era algo assim tão bom. Ora, a música dos pássaros...
 
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, 07 de julho de 2013.
 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O molusco


Choveu um pouco neste final de tarde. Na noite quieta
sobre a floreira, discreto, um caracol espia seu mundo. Não.
Hoje não estou disposto a matar nada. Pego o simpático molusco
e o coloco sobre uma Saintpaulia. Alguém não gosta disto. Não,
não vou atirá-lo às pedras da rua.
Agora ele deve estar continuando sua busca. Talvez
pense ao seu modo invertebrado.
E eu continuo sem saber se sei se vale a pena pensar.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Porto Alegre, maio, 2005.

sábado, 27 de abril de 2013

Um bem-te-vi pousa na caneleira

 
Um bem-te-vi pousa na caneleira.
 
Quisera tu poder dizer o que sentes,
           mas, vazio de sentidos,
limita-te a ver a ave pousada
           e a ouvir seus gritos
que não decifras.
 
Teu silêncio abre caminho
           entre a luz;
Refletido pelas folhas,
           pequenos sóis gritando "bem-te-vi".
 
Teu silêncio é denso e sem sentido
           e num átimo a ave o percebe
e alça voo até outro paradeiro.
 
Ficam as folhas e seus sóis agora quietos
           acompanhando teu silêncio.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 12/01-28/04/ 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

Não se mate


 Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate.
 

- Carlos Drummond de Andrade

A garganta de Mengcheng

Minha nova casa
      na garganta de Mengcheng
onde velhas árvores
      e salgueiros ainda resistem.
Quem nela vai morar,
      quando eu me for?
Ah, preocupações vãs
      com coisas tão passageiras!


- Wang Wei

Visita

Ao sul de meu rancho, ao norte,
      por toda parte
      chuva de primavera.
Dia após dia eu só enxergo
      o voo das gaivotas.
Trilhas repletas de flores,
      por que varrê-las?
E para vós, abro enfim
      a porta de junco.
O mercado é longe,
      e para o almoço
      não tenho muita escolha.
Quanto à bebida,
      a casa é pobre
      e só posso vos oferecer
      vinho rústico.
E se convidássemos meu vizinho
      para se juntar a nós?
Vou até a cerca chamá-lo;
      juntos acabaremos
com esse jarro de vinho.


- Du Fu

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Levíssimo incenso


Não estou tranquilo. Passa o dia irremediável.
Apesar dessa doçura, apesar dessa leveza
      envolvente em tudo, ainda assim
não estou tranquilo.

Essa leveza de coisa que evapora. Essa doçura
      dissolvida no silêncio.
Não estou tranquilo.
-É a vida que docemente se esvai como levíssimo incenso.
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 14/03/2013 - 17/04/2013

sábado, 13 de abril de 2013

Macerófagos



I

Enquanto maceram-se os alimentos

Vão se ruminando os pensamentos

As azias que corroem

As idéias que corrompem

Regurgitam-se trituradas

As mais preciosas esperanças



II

Cavalo que sou

Macerei do melhor

E no fino manto relvado

Esterquei minhas abjeções



Asno que sou

Ponderei mais que o devido

E por vezes descobri tardiamente

O erro do caminho escolhido



III

Macerado, deglutido

Dia a dia ingerido

À mesa do tempo que passa

Repleta, farta dos eventos servidos



Macerófagos, todos juntos macerando

Revirando, remoendo, desfazendo a solidez

Devagar se esvai o sumo

Devagar se encontra o rumo



Macerófagos macerantes

Mastigam, trituram

Músculos, ossos

Folhas, fibras e sementes



Ruminam dúvidas, certezas e temores

Dilaceram as próprias esperanças

Num macerar sem sabores



Pedro Luiz Da Cas Viegas

Porto Alegre. Junho, 2001.

sábado, 6 de abril de 2013

Você acaba de chegar do lugar onde nasci

Você que acaba de chegar
     do lugar onde nasci:
deve saber de tudo
     o que acontece.
Por favor,
     antes de partir,
viu se na frente da janela com a cortina de seda
     a pequena ameixeira de inverno
já estava florida?


-Wang Wei


sábado, 2 de março de 2013

Luz

A luz do poente contra as vidraças
Reflete nesta sala uma cor dourada.
Na água que bebo sorvo dessa luz
E sinto luminoso sabor de vida,
Essa vida que correu entre estrelas,
Escorreu entre as vidraças,
Alcançou a minha água
Iluminou meu paladar
E foi-se em gotas de ocaso.



Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí,      03/03/2013

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Caro Dr.


Caro Dr.

Não suporto ignorar o meu próprio ser.
Preciso ser o que sou nesta alma vivente.
Por mais que seja a droga potente,
Esta alma não tem mais recurso.
Eis que a vida surgiu de um impulso.


Caro Dr.

Permita viver meu niilismo abjeto.
Permita viver meu viver sem projeto.
Permita agora caminhar com meus passos,
Sem querer explicar as razões dos fracassos.


Caro Dr.

Não pretendo me enquadrar no modelo vigente.
Por mais que eu erre não deixarei de ser gente.
Por mais saciado não estarei satisfeito:
Na mais bela flor somente vejo defeitos.


Obrigado Dr.

Sinto agora aceitar minha percepção deste mundo.
Aceito, desejo e alimento cada vez mais profundo.
O que eu quero e talvez tão logo consiga.
Tantas outras insânias minha alma persiga.
Paciência Dr.
A conta Dr.
Até quando Dr.


Pedro Luiz Da Cas Viegas.
Porto Alegre, 02 de Julho de 2001


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Casamento do céu e do inferno

No azul do céu de metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.

Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.

Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
vaga-lumeando...

Por uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.

Diabo tem uma luneta
que varre léguas de sete léguas
e tem ouvido fino
que nem violino.

São Pedro dorme
e o relógio do céu ronca mecânico.
Diabo espreita por uma frincha.

Lá embaixo
suspiram bocas machucadas.
Suspiram rezas? Suspiram manso,
de amor.

E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.

Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
o resto vai para o inferno.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Planos

Pegar algo,
Fazer algo.
Pegar um cão e passear.
Pegar um carro e rodar.
Pegar um martelo
Inserir prego em madeira.
 
Pegar uma pedra e atirar.
Pegar ventos
Aspirar frios.
Aspirar e tremer.
Tremer e parar.
 
Pensar no próximo passo.
Passo a passo
Estacionário impasse
Quem tiver vontade de aço
Que minha vontade trespasse
E arranque desta cadeira
Esta cabisbaixa caveira
 
Mostre o caminho do sol
Não consigo sorrir
Vou pegar o espelho
Atirar ao pavimentado passeio
-Meus cacos sérios
Serão pisoteados
E ficarei quieto
Meu peso na alma
 
O grito trancado por trás do gradil
Agarro uma grade - o vão é estreito
O horizonte que vejo
A avenida e o vento
Caniloquazes chamados
Serei eu, serão eles?
 
Pedro Viegas
 
Porto Alegre . 7, outubro, 2001.