domingo, 3 de fevereiro de 2013

Casamento do céu e do inferno

No azul do céu de metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.

Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.

Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
vaga-lumeando...

Por uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.

Diabo tem uma luneta
que varre léguas de sete léguas
e tem ouvido fino
que nem violino.

São Pedro dorme
e o relógio do céu ronca mecânico.
Diabo espreita por uma frincha.

Lá embaixo
suspiram bocas machucadas.
Suspiram rezas? Suspiram manso,
de amor.

E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.

Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
o resto vai para o inferno.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

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