sábado, 27 de abril de 2013

Um bem-te-vi pousa na caneleira

 
Um bem-te-vi pousa na caneleira.
 
Quisera tu poder dizer o que sentes,
           mas, vazio de sentidos,
limita-te a ver a ave pousada
           e a ouvir seus gritos
que não decifras.
 
Teu silêncio abre caminho
           entre a luz;
Refletido pelas folhas,
           pequenos sóis gritando "bem-te-vi".
 
Teu silêncio é denso e sem sentido
           e num átimo a ave o percebe
e alça voo até outro paradeiro.
 
Ficam as folhas e seus sóis agora quietos
           acompanhando teu silêncio.


Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 12/01-28/04/ 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

Não se mate


 Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate.
 

- Carlos Drummond de Andrade

A garganta de Mengcheng

Minha nova casa
      na garganta de Mengcheng
onde velhas árvores
      e salgueiros ainda resistem.
Quem nela vai morar,
      quando eu me for?
Ah, preocupações vãs
      com coisas tão passageiras!


- Wang Wei

Visita

Ao sul de meu rancho, ao norte,
      por toda parte
      chuva de primavera.
Dia após dia eu só enxergo
      o voo das gaivotas.
Trilhas repletas de flores,
      por que varrê-las?
E para vós, abro enfim
      a porta de junco.
O mercado é longe,
      e para o almoço
      não tenho muita escolha.
Quanto à bebida,
      a casa é pobre
      e só posso vos oferecer
      vinho rústico.
E se convidássemos meu vizinho
      para se juntar a nós?
Vou até a cerca chamá-lo;
      juntos acabaremos
com esse jarro de vinho.


- Du Fu

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Levíssimo incenso


Não estou tranquilo. Passa o dia irremediável.
Apesar dessa doçura, apesar dessa leveza
      envolvente em tudo, ainda assim
não estou tranquilo.

Essa leveza de coisa que evapora. Essa doçura
      dissolvida no silêncio.
Não estou tranquilo.
-É a vida que docemente se esvai como levíssimo incenso.
Pedro Luiz Da Cas Viegas
Gravataí, 14/03/2013 - 17/04/2013

sábado, 13 de abril de 2013

Macerófagos



I

Enquanto maceram-se os alimentos

Vão se ruminando os pensamentos

As azias que corroem

As idéias que corrompem

Regurgitam-se trituradas

As mais preciosas esperanças



II

Cavalo que sou

Macerei do melhor

E no fino manto relvado

Esterquei minhas abjeções



Asno que sou

Ponderei mais que o devido

E por vezes descobri tardiamente

O erro do caminho escolhido



III

Macerado, deglutido

Dia a dia ingerido

À mesa do tempo que passa

Repleta, farta dos eventos servidos



Macerófagos, todos juntos macerando

Revirando, remoendo, desfazendo a solidez

Devagar se esvai o sumo

Devagar se encontra o rumo



Macerófagos macerantes

Mastigam, trituram

Músculos, ossos

Folhas, fibras e sementes



Ruminam dúvidas, certezas e temores

Dilaceram as próprias esperanças

Num macerar sem sabores



Pedro Luiz Da Cas Viegas

Porto Alegre. Junho, 2001.

sábado, 6 de abril de 2013

Você acaba de chegar do lugar onde nasci

Você que acaba de chegar
     do lugar onde nasci:
deve saber de tudo
     o que acontece.
Por favor,
     antes de partir,
viu se na frente da janela com a cortina de seda
     a pequena ameixeira de inverno
já estava florida?


-Wang Wei